O espaço entre a Cagufa e a Cagança.
ilustração: filipe andré alves
É quase sempre um piso cimeiro e numa sala com vistas largas. De dois a cinco a partir pedra, num brainstorm à moda antiga. Enquanto um esperneia o outro puxa, outro defende-se, outro ouve com atenção e as poucas palavras que lhe saem da boca são arrancadas a ferros. O último mantém-se em silêncio.
Na verdade, dentro da cabeça deste último decorre um diálogo estupidificante entre a Cagufa e a Cagança.
Diz a Cagança:
– Isto não está a fazer sentido porque estamos a perder o fio à meada.
Responde a Cagufa – Pois, mas o melhor é ficares calado não vão julgar que tens a mania.
– Tens razão, mas esta merda está errada e as coisas estão a descarrilar, vou intervir, sinto que posso contribuir.
– Sim, mas já pensaste que se calhar és tu que estás errado? Que às tantas estás aí armado aos cágados e até nem tens razão. Fica mas é caladinho que assim ninguém te manca.
– Epá sim, mas que mal tem disparar?
– Olha tu é que sabes, mas depois não venhas dizer que não te avisei e que ainda te chamam de cagão.
Ficamos num empate técnico e, com isto, o silêncio.
O problema da inconfiança não está nos extremos, está no meio. O problema é intrínseco ao problema.
A inconfiança é um “sempre em pé”, flutuante e indeciso, é a confiança perdida em algo que está certo mas que pode ser entendido como errado. É um “acho” hesitante que dá trunfos à arrogância da “pseudo” inteligência, é a margem para que seja posto em causa. É quando a confiança se deixa desarmar pelo poder de tirar o poder aos outros ou quando a força se deixa derrotar pelo silêncio. Quando as palavras tremem porque já não há sentido na defesa. Quando a cagança se deixa derrotar pela cagufa da cagança. É deixar o “to do” por “not to do”.
O espaço da inconfiança é frágil, a cagança escreve-se com o ego e a cagufa desmonta-se com um sopro.
O silêncio pode levar ao desperdício. É importante estimular a participação e partilha de ideias, é importante registá-las e torná-las presentes. É importante o desbloqueio da não censura. Na participação de decisão e consequente acção – seja numa reunião de trabalho, seja numa discussão de “bola” – é fundamental encontrar o equilíbrio na argumentação. Não achar esse equilíbrio faz perigar a nossa inteligência moral e pode facilmente derrubar uma equipa ou fazer rebentar uma organização. Mas esse equilíbrio nunca está no meio, ele pende para um dos lados. O meio é sempre indeciso, é o “não é carne nem é peixe”.
No processo de tomada de decisão, há que deixar cair o prefixo “in” sem desconfiança. A confiança, essa, explica-se com “porquês”.